sexta-feira, novembro 19, 2004

Insónias

Será que as pessoas antigamente tinham insónias? Julgo que não. Imagino outros tempos como se uma certa tranquilidade rústica os dominasse, como se a calma fosse o estado natural da realidade psíquica dos indivíduos, numa osmose total com o exterior, igualmente lento e meticulosamente cadenciado: cada gota caindo em cada segundo com a precisão do milímetro no metro adivinhado… lentamente....
É da ausência de hoje que falo, da presença frenética do nada, da circulação contínua de uma roda dentada que rola por cima dos corpos, despertando neles desejo e dor, busca e queda, paradoxo masoquista demasiado subterrâneo para olvidar o sadismo do observador consternado.
Visto isto, tenho decidido conformar-me. Porque não? O mundo é como é e não dormir é mau, faz mal à saúde. Por isso, aceito a felicidade, esta felicidade, a da leveza absoluta e veloz. A partir daqui decerto dormirei. Nada fará parar a minha infinita melancolia, o meu pesado tédio, e hei-de cair na cama de olhos fechados por toneladas de velocidade e sonhos brancos e sem sobressaltos. Hei-de ter uma vida plana e um pijama. Este é o meu projecto: acalmar-me e ter sono.