segunda-feira, fevereiro 28, 2005

O que não se agarra

Não encontramos o momento absoluto. Mas construímos lugares de encontros indizíveis, feitos de afectos que se gravam na memória na qualidade de outroras mais presentes do que o presente, determinantes de movimentos que enobrecem apenas porque revivem em nós o precioso amoroso – esse cujo encontro ainda é do absoluto que só não achamos porque não se agarra, desvela-se.

quinta-feira, fevereiro 24, 2005

Os dias...

Encher os dias de coisas, de projectos, de movimentos com fins infindáveis, num preenchimento do espaço com o desejo do denso veloz. Assim escoa-se o tempo, tão rápido quanto talhamos as rochas circundantes, inscrevendo nossos nomes em todos os rastos, em todos os ecos que esperamos audíveis. Pouco a pouco, algo se erguerá por trás do caminho. O que é? Nem nós sabemos – construtores ignotos.

terça-feira, fevereiro 22, 2005

Abrindo chãos

Vivemos no problema. E isso parece abismal, vertiginoso, precisamente na medida em que instala um permanente estado de crise, de revisão insistente do chão que pisamos, o qual fica movediço, escorregadio, e no qual nenhum de nós se pode gabar não ter caído. As paredes tanto se afastam formando horizontes imensos como nos apertam em neurastenia claustrofóbica. Tão depressa construímos como destruímos. Algum dia alguma coisa permanecerá? Depois do camelo, sempre a criança?

segunda-feira, fevereiro 21, 2005

Tábuas coloridas sobre um chão branco

E pronto, uma decisão está tomada. Agora falta o resto... todas as verdadeiras decisões. Todos os gestos se exigem, o peso da vigilância sobre uma nova emergência. Haverá algum plano? Alguém tem um projecto? Eu e tu, temos algum desígnio? Lentamente, deixamos cair tábuas coloridas sobre um chão branco. Ouve-se um estrondo. Os ecos esperam ouvidos ao fundo, bem longe, lá, onde a polis é cosmopolita. Aos poucos, seguramos um futuro, mesmo que ignoto – muito provavelmente...

sábado, fevereiro 19, 2005

Um dia de reflexão?

Um dia para designar. Quem escolher? Por quê escolher? Alguém leu os programas dos partidos? Alguém questionou consequentemente as propostas de cada força política? Sabemos o que vamos fazer? Temos alguma razão profunda para as opções que fazemos? Os valores seguidos emergem de razões ou de emoções? Intuição, não é? Bem me parecia. E qual é o mal?

quinta-feira, fevereiro 17, 2005

Os pés junto à lareira

E, pequeno lugar a pequeno lugar, as imagens vão nascendo como quem planta ervas daninhas. Surgem descontroladamente, emergindo uma infinidade de pequenos lugares que, na confusão da sua profusão complexa, perdem qualquer qualidade doméstica, local ou artesanal que porventura tivessem. Uma bola de fogo aquece-nos os pés junto à lareira onde nos sentamos bem protegidos por uma manta sobre as pernas, umas pernas inúteis. Não corremos. O corpo vê e tecla. Isso é mau? Não sei dizer. O caminho tapa-me a presença; contudo, deseja-se e o corpo antecede-nos...

terça-feira, fevereiro 15, 2005

E, no entanto, ela move-se.

Ela e nós. Caminha-se, move-se, procriam-se lugares, novos tempos esculpidos por esse facto, ou por esse sonho que se nos entranha nas pernas.
De facto, a palavra caminho é uma palavra encantadora, pois nela encontramos a nossa ausência do aqui, mas também a nossa perpétua exigência de presença futura. A magia: incompletude, a distância perfeita da perfeição. Pois a imperfeição é o que nos distancia dos animais, cuja perfeição é a plenitude do nada, o não-caminho.

segunda-feira, fevereiro 14, 2005

Amizade pós-moderna

Olhar as pessoas de frente, quando se caminha na rua. Fixar os seus olhos obstinadamente até que as obriguemos a parar e a iniciar uma conversa, um diálogo inevitável, ou, ao contrário, continuemos até que o andar nos faça cruzar e percamos essas pessoas para sempre. Contudo, olhou-se, e nesse olhar concatenou-se maciçamente o peso insuportável (até ás lágrimas!) de uma questão, ou de uma possibilidade, ou talvez apenas de uma curiosidade: aqui estamos nós, desconhecemo-nos, mas somos humanos; nessa generalidade, a palavra humanos, podemos incluir-nos os dois e todos aqueles por quem nos cruzamos na rua. Tenho pernas, braços, tronco e olhos. Vês? Que bem os vês! Não desvies. Desviaste, não suportaste. Eu percebo, não me conheces… Mas podíamos ter falado, trocado ideias verdadeiramente importantes, construído uma intimidade moderna, pós-moderna até. Isso, sim, seria uma intimidade pós-moderna: sermos todos grandes amigos e recebermos todos os olhares como convites ao diálogo.

quinta-feira, fevereiro 10, 2005

Onde está o político?

Vê-se a imagem do político (e por imagem entende-se, além da figura em si, todo o movimento de configuração telegénica e fotográfica, na qual se incluem os discursos pronunciados ou tácitos). Ele também vê a sua própria imagem, o seu duplo construído. Elabora-o, alimentando um ser figurativo e colorido de um hiper-realismo estonteante: o político autêntico desaparece, não existe. Está perdido, velado por trás do rosto que o próprio, depois de bem conhecer as regras do jogo, manipula para nós: espectadores – espera-se! – bem menos embasbacados do que ele pensa.

quarta-feira, fevereiro 09, 2005

As palavras também comem

Mas apesar de tudo podemos falar, e isso é uma liberdade, é uma nossa liberdade. Cada nossa palavra tece lentamente um gigantesco tecido de retalhos. Esses fragmentos são como espelhos, o texto é um enorme tecido de reflexos onde os nossos rostos e os nossos gestos, além das nossas mãos, movem morfologicamente a existência e a sua reflexividade imanente.
Apesar de tudo, as possibilidades estão sempre em aberto, independentemente das ilusões histórico-retrospectivas com tendência para a totalização redutora de uma passado projectado em absoluto no presente. Faremos! E isso está nas nossas mãos, embora mais nas de uns do que nas de outros. Contudo, por vezes os dados também calham nas pessoas certas…

segunda-feira, fevereiro 07, 2005

Eleger as imagens do quotidiano

As eleições já enchem por completo os noticiários. A propaganda é um dado imposto à realidade circundante, mediaticamente despejada no vão de acesso aos sentidos humanos. Todos nós podemos saber o que eles farão por nós, o seu povo, o seu querido povo, do qual eles dependem – o que poderia ser uma vantagem nossa. Mas não é. Não é porque alguém vai ser eleito, um deles, um dos bonecos televisivos vai ter poder, mais poder do que imaginamos. Alguns perguntam: qual o melhor? Mas infelizmente a pergunta é outra: qual o menos-mal? Do mal, o menos, não é? No mínimo comum, avançamos.
Portanto, temos que eleger um deles, um dos que se interpõem entre nós e o nosso quotidiano, um dos que povoam o dia-a-dia de banalidades sérias, de ridículos trágicos e de mentiras cuja falsidade gera o peso verídico de uma realidade que nos mostra o poder da ambição pessoal em vez do poder da competência. A política é técnica, hoje é técnica do ser-visto. Elegemos o que é visto, a imagem do quotidiano que nos há-de transformar a própria imagem. A imagem que todos hoje repugnamos. Esta a perversidade: eleger a repugnância. Avancemos!