domingo, fevereiro 26, 2006

O martelo

Olhando este blog, é repetitivo e contraditório. Talvez possa ser, inclusive, aborrecido quando volta redundantemente a falar do mesmo, da mesma maneira, e irritante nos momentos em que um post opõe-se descaradamente a outro. Palavras como “todavia”, “contudo”, “embora”, “evidentemente”, “claramente”, “exterior”, “interior” ou - aparentemente a favorita - “absoluto”, entre outras, e expressões como a dilemática “por um lado” e “por outro” salpicam como pilares incontornáveis quase todos os textos. Quanto aos temas, o autor parece obcecado por questões relacionadas com a morte, o tempo, a palavra e a imagem, sem esquecer que de vez em quando procura impressionar o leitor com textos de pendor literário e algumas metáforas sensualistas. As contradições, essas, revelam-se principalmente nas teses apresentadas no que toca às oposições filosóficas sensação/razão, imanência/transcendência e interior/exterior. Todavia, o mesmo – o autor, evidentemente – continuará a tentar rasgar do interior para o exterior o absoluto estilhaçado, intotal na sua totalidade, com a máxima originalidade possível, isto é (outra expressão farta), a que faça jus às particularidades do próprio, tão singulares como as de qualquer outro. Sempre na senda da sensação. Isto porque, ainda que, por um lado, ela nos engane na hora racional, é, por outro, nela que o único nasce mais próprio e onde é possível recolher na imanência das coisas a transcendência criada, dia a dia, como lugar de recolha em abertura. Como condição desta: a contradição, porque sim ou porque não.

quinta-feira, fevereiro 23, 2006

A fala que cala sobre nós

À pergunta sobre o que é o tempo é costume replicar-se com a clássica resposta de S. Agostinho: se me perguntarem o que é, não sei responder, se não me perguntarem, sei. Ou seja, o tempo é, de uma só vez, um conceito tão inapreensível que nos escapa no esforço da sua verbalização e tão evidente como experiência que nos surge claro subjectiva e intuitivamente, aquém expressão que nos peçam ou queiramos comunicar numa sua definição. Contornando as panorâmicas e as referências filosóficas, passo a falar de um tempo bailante entre o que se quer e o que se toca. Assim sendo, se o tempo não é coisa, é ausência atraente do nosso gesto e do nosso olhar, sem presente, passado ou futuro fixos, mas vazio onde tudo cabe na forma de desejo. Mas, se o tempo é coisa, só o é recordando e tocando interna ou externamente a reificação que a nossa memória deixa da experiência tida, assim incrustada na nossa pele. Contudo, estas duas dimensões marginais não são contínuas, no máximo namoram. Isto porque, por um lado, quando buscamos em esperança o tempo a ser devir, num estado desenlaçado de avanço prometaico, aparentamos deixar tudo para trás infixável e insubstancial, sem o tempo objecto que se toca. Por outro, quando memorizamos e guardamos o tempo como coisa, construindo com ele a nossa casa de espelhos, desenhando nosso rosto e escrevendo nosso nome como pedra, parece que alienamos o tempo que está por fazer na forma de ser feito e desejado, perdendo todo o caso de horizonte. Assim, neste estado instável, vivemos entre o estar e o ir que nos hesitam, entre o ser e o não-ser que nos dobram, onde, no entretanto, todo um silêncio fala e cala sobre nós.

quinta-feira, fevereiro 16, 2006

Tempo inacessível

As palavras falam, enviam o nosso olhar para uma densa nuvem ou carne de referências tanto externas como internas. Quando nos assolam, na forma de chegada ou de partida, de recepção ou de acção, fazem a aparição do mundo, de nós, dos outros ou - sempre - do cruzamento de todos os elementos indistinguíveis que constituem a massa onde enterramos os dedos. Nelas o espaço da certeza, da comunicação, o comum onde nos abraçamos, estende-se possível. Mas também nelas a polissemia e a interpretação nos incertam, nos abrem múltiplo o mundo dos novelos que cada termo inventa. Presos nelas, nos libertamos no sentido do caminho e do chão, mas também nos obsidiamos frente à aranha das hipóteses que o mundo tem, infinito, desdobrado, ocultando em cada pedra de tempo um tempo inacessível.

sábado, fevereiro 11, 2006

As vozes que vivem

Actualmente, encontramo-nos perante um problema de comunicação em liberdade. Uma encruzilhada colocada pelo terrorismo. A questão é: a liberdade de expressão deve existir sob que condições (reconhecendo o paradoxo deste condicionamento)? Respondendo: por um lado, temerariamente, defendo a sua limitação, pelas razões expostas aqui; por outro, sou a favor da sua não restrição. A primeira resposta, claro, elimina a segunda. Mas determina-se por razões diferentes, isto é, do lado das vítimas e num registo de sustentação da sobrevivência. Isto porque a comunicação é parte integrante da acção terrorista e não um seu apêndice estritamente informativo. A segunda resposta, embora já conspurcada pela primeira, apoia-se na necessidade de garantir a liberdade de expressão no campo duma sociedade civil democrática e pacífica. Esta liberdade deve viver em todos e atingir qualquer um, incluindo quem não a aceita por reserva fundamentalista. Porque é crítica, só pode ser protegida. Essa é a única garantia de que se assegura para a sociedade a maior expansão possível da dimensão discursivo-ontológica dos seus viventes – motor de um mundo do Homem sempre em aberto e em construção dialogante.

sexta-feira, fevereiro 03, 2006

Desconfiança

Se a confiança expande o mundo como futuro sustentador de um presente mais denso, a desconfiança suspende-o na retaguarda amesquinhando-o criticamente. Contudo, existe a experiência, e as concepções absolutas tanto de uma como de outra perdem-se no reduto iniciático da ingenuidade. Assim, vivemos sob duas espadas: a que nos segura temerariamente e a que nos faz avançar criativamente. Por outro lado, como alguém me disse, sentir demasiado as duas lâminas pode ser consequência duma projecção excessiva do futuro, duma hiper-planificação, a qual redunda numa fixação que obriga à maior confiança possível, logo, paradoxalmente, à maior desconfiança possível: a psicótica. Num sentido inverso, albergarmos nossa esperança na pequena grandeza do presente é embelezarmos o imediato e tocarmos a confiança mais original e derradeira, aquela que, no agora, percebe na existência toda uma estética, porque palpável, e toda uma ética, porque visível.

quinta-feira, fevereiro 02, 2006

Confiança

Onde acaba a certeza e começa a confiança? Melhor: haverá espaço para o indubitável dentro da existência hipotética de uma pré-confiança? Antes de crermos, sabemos? Provavelmente, não. Até o pensamento mais claro e distinto parece assentar sua luva de ferro sobre a mão trémula de uma crença, que fia, que aguarda. Esta é um olhar futuro que cegamente vê o que ainda não está presente mas desenlaça-se como fantasma nascido da possibilidade por cumprir. É a criação de um laço que espera do Outro a árvore do desejo prometido. E por cima, pensa-se, crê-se que se pensa, e que tudo é claro. Mas a luz faz-se, não se recebe. Há, nela, uma espécie de dádiva, de alimento oferecido e sorvido como mundo. Quem se alimenta não vê, até ver. Nada sabe, mais uma vez. Tudo espera, todas as vezes. Por isso, cada promessa é uma planície que oferecemos ao mundo, para fechá-lo como medo ou para expandi-lo como sonho.