terça-feira, agosto 29, 2006

Orientando

Não analisou e deixou-se escorregar pela sensação do fenómeno como mar. Não separou e aceitou junções anteriormente estabelecidas onde fez o pino de mãos abertas. Talvez mergulhasse. Mas não. Havia em si uma corrida surda pedinte de brancura quente. O tempo passou sentido por um pequeno movimento do espaço, talvez rápido se pensasse nisso, mas não pensando. Não foi verdade, mas foi possível. Sendo este mais verosímil, a certeza de um real aconchegou-se mais perto de um devaneio do que do cinzento-escuro de uma lupa bem apontada a um alvo. Este estava em todo o lado e, por isso, mais perto de si. Pensou: disse adeus à luz; e fechou os olhos, ainda ansioso por deixar a verdade.

sexta-feira, agosto 25, 2006

Folclore metafísico

Vemos há muito surgir uma aproximação individualista a disciplinas espirituais como modo de colmatar os vazios deixados pelo desencantamento moderno. Áreas como a astrologia, o reiki e o tarot, entre outras, multiplicaram-se por cabeças ansiosas e espalharam-se por anúncios amadores colados em paredes citadinas. O Oriente toca-nos com suas folhas de papel e suas mãos de veludo, e parece saber bem. Mas, tal como defende Luc-Ferry, não deixámos a nossa ocidentalidade. Continuamos individualistas e tendencialmente pragmáticos. Cada um, bêbado da sabedoria recolhida através de chavões - simplificação da objectividade –, exibe-se como mestre; contudo, no esforço de deslocamento a oriente, o melhor do ocidente se perde: a pequena dose lúcida de cepticismo perante avanços folclóricos na metafísica.

quarta-feira, agosto 23, 2006

Eternidades

Discute-se hoje quem ganhou a guerra que aparenta ter terminado entre Israel e o Hezbollah. Contudo, parece que esta guerra eternizada, como tal, não findou. Por cima, só as nuvens. Porque a História nem sempre nos ajuda quando a consciência da mesma se perpetua nos povos sem esquecimento à vista, este conflito alimenta-se permanentemente da retrospectiva que enfia bombas em autocarros de escola e zonas habitacionais. Pergunta-se: e se Espanha reclamasse o condado Portucalense, os índios os EUA ou Portugal o Brasil? Onde começa a pertença, o direito de um povo à propriedade? Assim, apetece pedir o esquecimento e o começar de novo, paradoxalmente num mundo onde no ocidente uma das causas do esvaziamento do Homem é a sua falta de consciência histórica...

sábado, agosto 12, 2006

Tontices

Diz-se desta época ser tonta – visão jornalística, opinião editorial de quem escolhe actualidades visíveis. Contudo, além das opções dos media, e, principalmente, apesar delas, o mundo hoje é muito pouco tonto no sentido atribuído nesse contexto mais comum, se tonto for ridículo e cómico a um tempo. Se, por outro lado, tonto for ridículo (deste não se abdica) e trágico a um tempo, o epíteto aplica-se decerto, em plena correspondência. Porque quando o ridículo se enfurece por todos os nossos cantos, nem sempre nos podemos distanciar de modo a nos rirmos; então, a tragicidade do ridículo impõe-se à nossa pele queimada do sol, à nossa séria preocupação com os protectores, ao nosso anseio por nos divertirmos bem, muito bem mesmo. Nisto, mergulhados em nós, resta-nos esperar que alguém se ria de tão longe que esteja.