sábado, junho 06, 2009

Da imaginação e de Marte

Imaginemo-lo nascido em 1990, hoje com dezanove anos e enquadrado em alguns dos caracteres sociais previsíveis, tais como usar telemóvel, passar muitas horas em frente ao computador, colocar filmes e fotografias na internet, vestir-se de acordo com a moda, não ligar à política, gostar de sair à noite com os amigos e muitos outros aspectos reconhecíveis num jovem desta idade, aceitando as excepções que confirmam a regra. Se colocássemos o mesmo indivíduo a nascer em 1975, outros caracteres emergiriam, como momentos da vida adulta sem telemóvel ou internet, enquanto alguns restantes permaneceriam próximos do primeiro exemplo. Quanto mais para trás no tempo apontássemos o seu nascimento, menos semelhanças entre si e as gerações mais novas encontraríamos. Este raciocínio revela uma rede de vínculos sociais que atravessa o corpo de cada um de nós e que se transforma com o tempo, independentemente de na intimidade a singularidade existir e reformular muitos destes elementos comuns inter e intra gerações.
Esta lengalenga sociológica serve apenas para chamar a atenção para a dificuldade presente em encontrar o negativo do modelo que sobre nós vai caindo, principalmente sobre as gerações mais novas com menos termos de comparação e diferenças ao longo da vida (embora a crescente velocidade de mudança possa desconstruir este argumento, não se deve esquecer que a mesma é superficial, predominantemente tecnológica em lugar de política no sentido clássico do termo), uma certa falta de negatividade explorada por alguns autores da Escola de Frankfurt.
Se um jovem com o mínimo de consciência política em Portugal antes do 25 de Abril de 1974 era capaz, embora secretamente, de imaginar uma sociedade diferente, com outras características, hoje essa possibilidade está cada vez mais reduzida. Apesar de uma maior liberdade, num ambiente de conformismo e naturalização da realidade envolvente, a capacidade de produzir com a imaginação valores e formas sociais diminuiu. A ausência de relação com o pensamento clássico sobre perspectivas alternativas ajuda a enrijecer as capacidades mentais e a dirigi-las unicamente para os espaços íntimos da sociabilidade privada, afastando do indivíduo qualquer relação com o político a partir duma reflexão própria, aprofundada e dialogante.
Sem mudar de assunto: porque será que quando imaginamos extraterrestres os concebemos sempre com características já conhecidas (ideias adventícias) misturadas de forma fantasiosa (ideias factícias)? Porque, provavelmente, quando pretendemos desenhar o diferente, o máximo que conseguimos fazer é reconfigurar o que já conhecemos sob novo formato, o qual, em termos materiais, não altera o essencial. O mais longe que podemos ir neste caso é até à consideração de que o todo vale mais do que a soma das suas partes. Isto para dizer que, apesar de não termos ainda contactado com extraterrestres, o que talvez não dependa só da nossa vontade, a verdade é que podemos contactar com ideias distintas das que vão enformando o nosso mundo. Neste sentido, talvez precisemos de voltar às utopias, apesar da sua imagem ter saído prejudicada do século XX. Espreitando para elas, talvez possamos imaginar como seria melhor uma outra democracia, não no sentido de incorporarmos em bloco essas ideias do passado, sem consciência histórica, mas no de integrarmos no nosso presente a diferença como motor de construção (talvez como em Deleuze?). Só assim poderemos abrir espaço para novas sistematizações que, além de produzirem forças endógenas, possam contribuir para a elaboração do contraditório dentro do sistema comum, o qual, em termos ideais, foi pensado para a integração da discussão efectiva que permita a transformação e não para a criação de imaginários fechados que, quando concebem mentalmente extraterrestres, mais não vêem do que marcianos verdes de quatro olhos, diferentes de nós apenas em termos quantitativos e combinatórios.