sexta-feira, junho 22, 2007

Raciocínio inconsciente

Desconheço se existe ou não investigação na área. De qualquer modo, sem referências de autor, julgo possível conceber a existência dum tipo de raciocínio que, em lugar de se passar no espaço clássico do consciente, actue no heterodoxo inconsciente. O que explicaria fenómenos como a intuição ou a profecia. Tanto uma como outra seriam o resultado consciente dum processo racional inconsciente, não já exclusivamente a-racional, e concluído com uma pequena ponta consciente. O resto, a deliberação, realizar-se-ia de modo involuntário, usando como matéria o conteúdo cerebral e passando-se num ápice, automaticamente. Assim, quando a minha intuição me diz que determinada pessoa não é de confiança, é possível que seja porque recebi suficientes sinais disso (do seu aspecto, por exemplo) que, sem que eu dê por isso, são calculados inconscientemente e expelidos como resultado sem processo aparente. Por seu turno, em termos hipotéticos, consigo prever um acontecimento porque a minha experiência recolheu dados bastantes para estabelecer uma probabilidade, sem, contudo, eu perceber como. Assim, a sustentar acontecimentos intuitivos ou proféticos estariam processos racionais bem longe da emocionalidade espiritualista onde normalmente se incluem a intuição e a profecia.

sexta-feira, junho 15, 2007

Geração R

De facto, aparentamos ser a geração dos dois r’s: rasca e dos recibos verdes. Filhos dos pais da revolução, esta estirpe – na qual me incluo, portanto – nasceu em democracia, viveu sem inimigos visíveis, sofreu uma educação laxista e emprega-se como pode em lugares abertos a uma flexibilidade muito pouco segura. Os pais não. Nasceram em ditadura, sentem-se vencedores sobre um inimigo visível, tiveram uma educação autoritária e ocupam para sempre os lugares inflexíveis a quem não tem experiência ou cunha adquirida. Nisto há uma grande incompreensão mútua. Mas os pais devem alguma compreensão aos filhos. Os seus desafios são maiores, porque mais psicóticos: o sistema perdeu mão e rosto, a cultura ganhou variedade e labirintismo e os que agora têm que oferecer ao mundo aquilo que são – os que entram na casa dos trinta – são obrigados a muito mais linhas indeterminadas – a mais arte, portanto – do que a rectas da ciência óbvia e segura dos pais, que um dia decidiram fazer um futuro para os filhos, mas ficaram com ele.

quarta-feira, junho 06, 2007

A ausência e o impulso

É costume apontar-se a inteligência como a grande causa da civilização e duma hipotética superioridade do ser humano em relação aos outros seres vivos. Contudo, ela parece mais um vidro seco que arrepanha, uma chama de pedra que limpa o escuro do sovaco ou uma aranha branca cuja teia apenas sabe captar regularidades no caos aparente. Metáforas à parte, a inteligência é uma chata, no sentido literal: achatada – porque, só, alarga-se sem subir. O que efectivamente avança, julgo, levando-a com ele, é o impulso imediato à ausência que, tanto biológica como culturalmente, constitui o humano que, assim, é angustiado na paragem, ainda que luminosamente inteligente. A inteligência serve, pois. Mas sem uma espécie de vontade (à Schopenhauer), talvez a inteligência fosse cega (como os conceitos sem os sentidos, para Kant) e inútil. Talvez um Deus imóvel que tudo visse aborrecido na sua monótona felicidade.