segunda-feira, dezembro 24, 2007

Para uma visão crítica do conhecimento

Por vezes, o conhecimento não parece um benefício. Bem pelo contrário, surge como agitador depressivo e despoletador de ansiedade. Vejamos.
Em Psicologia, estudos relativamente recentes mostram como, para certas pessoas, conhecer a causa de um problema pessoal e comunicá-la a outrem prejudica o seu estado psíquico, agravando uma situação que no desconhecido parecia mais equilibrada. Portanto, um saber que fixa o indivíduo num espaço mental problemático demasiado maioritário em comparação com o espaço mental não problemático.
Outro exemplo é a conjugação de conhecimentos de medicina (ainda que parcos) com um excessivo auto-cuidado: hipocondria, claro. Isto é, o indivíduo curva-se sobre si mesmo aplicando a todo o seu organismo-no-tempo categorias de diagnóstico que, no fundo, lhe turvam a vista de preconceitos que poieticamente fazem nascer no corpo sintomas sem doença. Neste caso, a problematização é um estado prévio que engaja o indivíduo num controlo do real.
Assim, tanto o processo de "saber-a-causa", presente na primeira situação, como o de hipocondria, a que se pode chamar "criar-a-causa", resultam do conhecimento. O primeiro mostra que conhecer pode não resolver um problema, mas antes agravá-lo. O segundo demonstra que o conhecimento pode criar problemas onde eles não existem.
Ora, ambos os processos aparentam suceder também em termos sociais, algo possivelmente presente nos dias de hoje, onde um misto de depressão e histeria amiúde invade o quotidiano concreto e os conteúdos dos media. A depressão acontece porque sabemos que Deus não existe, que os Homens são naturalmente maus, que o ambiente ameaça a existência humana por culpa desta, que os juros sobem, que o amor é difícil, que as pessoas mentem ou que cada um de nós pode morrer de um momento para o outro. Por sua vez, a histeria sobrevém quando olhamos à nossa volta e temos medo, medo de milhares de coisas que conhecemos e de outras tantas que inventámos, medo dos Homens de que aprendemos a desconfiar, da Natureza que sabemos inventar vírus que nos matam, medo de não respondermos às exigências estéticas que a sociedade nos impõe, de não sermos amados por quem amamos ou de que os outros nos queiram mal, tudo isto ao ponto de, por vezes, crermos que existe o que criamos.
Portanto, sabemos demais. E esta sociedade, a do conhecimento, da informação, da tecnologia ou do que quiserem, com sabedoria, nem sempre nos dá felicidade. Dá-nos que pensar sem tempo, o que apenas nos serve para comunicar e exibir sentimentos sem sentido.

sábado, dezembro 01, 2007

Ver o Corpo

Paradoxalmente, numa sociedade tão corpórea, tão voltada sobre a sua carne e adornos, assistimos a um distanciamento do indivíduo em relação ao seu próprio corpo. Não no sentido duma menor preocupação com este (bem pelo contrário), mas em termos dum acentuar da sua instrumentalização por parte do Eu.
Ambos dissociam-se permanentemente: o Eu olha para o corpo como matéria maleável, logo exterior, e, quando sem correspondência às suas idealizações, recusável, expulsável. Nestes casos, por vezes, o Eu refugia-se num solipsismo anti-reflexo divorciado do seu próprio fenómeno. E ao contrário do que se poderia pensar, até quando ambos parecem unidos numa aceitação mútua, em que o corpo, portanto, aparenta corresponder às idealizações do Eu, obedecendo eventualmente aos seus malabarismos, há um inalienável hiato: o corpo torna-se instrumento de poder – aceite pela sociedade, serve as ambições do Eu, que deixa de investir noutras dimensões valorizadas, mas talvez mais trabalhosas, e passa a usar o corpo como meio de ascensão social na qual todos, sistemáticos, colaboram, não só vivendo a atracção sexual, mas correspondendo reforçantes à face dum evolucionismo conseguido.
Assim, o abismo ocorre porque o Eu o corpo. Para ver: a distância. E tudo em seu torno o perspectiva: os media, a publicidade, os comportamentos resultantes, o reenvio destes para os media e o alimento recíproco deste ciclo coloca o corpo no palco-laboratório onde, como espectador-cientista, o Eu humano possui um corpo nas mãos em lugar de ser um corpo com mãos.