quarta-feira, março 28, 2007

Dialéctica do amor

Perspectiva científica: as relações amorosas têm como base, para os homens, a necessidade sexual (o critério são as hormonas da parceira) e, para as mulheres, a capacidade de subsistência do parceiro (o critério, na sociedade de hoje, é o monetário); a origem disto é remota: os homens sempre quiseram reproduzir-se e as mulheres proteger-se, a mulher procriando para o macho e o homem cuidando e caçando para a fêmea. Perspectiva artístico-simbólica: o amor é amor, um sentimento que transcende o interesse e a utilidade a favor do sublime no outro e no próprio, aliando-se o ético, o estético e o erótico. Síntese: ambas as perspectivas parecem redutoras, na verdade a relação amorosa é um pouco desses dois estados, é uma circunstância e alguns interesses coincidentes, mas é também um esforço dramático para atingir o estado do sublime; vivendo entre esses dois abismos, raramente atinge o segundo na perfeição e vive sempre no risco de cair no primeiro como na suspeita das suspeitas.

sexta-feira, março 23, 2007

O escorrega e o porto

Certos períodos são de pouco tempo, minúsculos entre o betão veloz que nos aperta entre os dias. Nesses momentos, apenas captamos da vida a sua superfície, as linhas de acção onde o nosso mover se move em contínuo sem lugar. Nada de profundezas. E podemos pensar (já depois, claro) que, se a existência fosse sempre assim, a sua duração seria um ápice, dela nada nos ficaria em sorte registado no sismógrafo das recordações guardado por trás da vista ou da testa. E quando, neste período já parado, reflectimos neste assunto, podemos ainda supor que este ritmo mais lento e reflexivo, com memória, apenas o é em relação ao outro, o anterior e rápido, porque em comparação com maiores lentidões, vividas, quiçá, noutras grandezas, será tão acelerado e escorregadio como nos parece ser o tempo da rapidez . Nisto, cremos que o máximo vagar do tempo é a recolha do real maciço em todo o seu pormenor e a existência vivida numa eternidade contemplativa cheia da bonomia ineficaz.

sexta-feira, março 09, 2007

Comunismo, Liberalismo e Indivíduo

É comum opor liberalismo e comunismo à luz do efeito que ambos produzem no indivíduo. Supõe-se que o primeiro o valoriza e o segundo não. Contudo, nenhum. Se o colectivismo exacerbado das sociedades comunistas dilui os interesses individuais na massa anónima do Estado, o liberalismo fá-lo de melhor modo: o hipócrita. Apresentando-se como a ideologia (sem ideologia) do indivíduo, na prática elimina a sua liberdade ao torná-lo cativo do sistema empresarial que possui a permissão do Estado mínimo para dele dispor como se de um instrumento se tratasse. O trabalho precário (recibo verde, por exemplo), a facilidade de despedimentos e a diminuição de grande parte das garantias torna o profissional numa peça da estrutura que ora o usa ora o desusa. E o caminho é este: já nem quem manda terá a liberdade que retira.

sexta-feira, março 02, 2007

O real fotográfico, o real fílmico e o real

Quando alguém afirmar desgostar do modo como aparece numa fotografia, há que dizer-lhe, calmamente, que aquela folha não passa duma representação, duma imagem técnica que, além de apenas reproduzir uma perspectiva tecnologicamente produzida, é muito menos real do que, por exemplo, a representação conseguida por um vídeo, o qual não deixa, contudo, de ser irreal. A aflição individual surge porque, na verdade, aquilo que cada um avalia quando se observa numa imagem técnica é a forma como os outros o vêem no dia-a-dia, partindo do princípio que essa imagem o copia. Ora, no quotidiano o que se visualiza são pessoas com todas as dimensões e nenhuma a menos, corpos em movimento e não fixados num instante, imagens dinâmicas e com profundidade, em vez de reificações icónias demonstrativas. Daí que, do ponto de vista ontológico, a verdade seja outra, longe da fotografia e um pouco mais próxima do filme.