sábado, fevereiro 21, 2009

A máxima liberdade possível (ou o casamento entre pessoas)

No mesmo sentido exposto no post anterior, a liberdade absoluta não existe, é um mito. Na verdade, imaginada, só pode ser efectiva nas possibilidades dum deus também ele absoluto. Todavia, ainda que os indivíduos que integram a sociedade não a possam experimentar, e o discurso que a constrói a emita, como tal, relativa, julgo que não deixa de ser um ideal-tipo, pelo menos para uma corrente que emerge na História. Neste sentido, como valor, paulatinamente pode vir a ser institucionalizada, o que já é notório nalguns aspectos da secularização, mas exige, para progressivamente se concretizar, mais debate e mais universalização da reflexividade dos indivíduos e das culturas.
Como valor que existe enquanto procura (ainda que os sujeitos sejam conscientes da impossibilidade da sua consumação) e não como chegada, a liberdade absoluta materializa-se em liberdade relativa, na condição desta ser o mais possivelmente próxima daquela. E o critério é mais ou menos este: "podes fazer tudo o que quiseres desde que não coloques terceiros em risco", qualquer coisa como o chavão “a tua liberdade acaba onde começa a do outro”. Neste caso, uma liberdade estipulada pela negativa. Não se pergunta o que se pode fazer, pergunta-se o que não se pode fazer. Somo livres, mas não podemos…
Isto para chegar à questão recentemente lançada em debate, a do casamento entre homossexuais. Segundo esta lógica, é simples: coloca terceiros em risco, é celebrado contra a vontade de algum dos envolvidos, algum destes é inimputável? Não? Então pode existir. A adopção já é diferente: se os especialistas considerarem que é negativa para o desenvolvimento da criança, então deve ser proibida, pois fere terceiros; caso contrário deve ser permitida (se prejudica a criança apenas por estigma social, deve-se considerar a sua futura legalização, quando esse estigma for menor). E vou mais longe: a poligamia. Pois é. Se os interessados estiverem de acordo e isso não ferir terceiros, por que não?
Naturalmente que este valor não é partilhado por todos os membros da sociedade. Nomeadamente pelos católicos. Como vivemos em democracia, é desse modo que se deve resolver a questão. Do ponto de vista da concepção descrita os valores não são transcendentais, o que, por si só, permite aceitar melhor este jogo. Contudo, também não são arbitrários, apesar de serem discutíveis, como tudo. O valor em causa permite vários argumentos a suportá-lo. Vejamos. O ético: não sou digno de impedir o poder-ser do outro que não impede o poder-ser de qualquer um. O hedonista: a concretização do poder-ser leva à felicidade. O ontológico: somos o que pensamos, mas também o que fazemos. O cultural: a maior liberdade possível implica a maior criatividade possível. E por aí fora...
Portanto, apesar de não resultarmos totalmente de construções, grande parte do que somos é construído. Por isso, existe sentido na crítica às normas que escondem valores rejeitados por alguns, apesar de alimentarem um mundo que outros julgam fundamental. Nestes cruzamentos, podemos conversar.

sábado, fevereiro 07, 2009

O financiamento dos partidos

A neutralidade e o desinteresse absolutos são ilusões. Não existem. Contudo, são ideais-tipo (à Max Weber) inalienáveis. Daí que se constituam como valores fundamentais em diversos sectores ou situações da sociedade: o jornalista deve relatar os factos tal como eles lhe aparecem, o professor é obrigado a avaliar o aluno como se o desconhecesse, o cientista tem que se preocupar meramente com a verdade e não com tendências pessoais, o juiz é obrigado a julgar os casos cego a interesses, os políticos devem governar sem atender a pressões particulares mas unicamente ao bem-comum.
Se a neutralidade e o desinteresse não são valores adquiridos e fixamente incorporados para todo o sempre nos indivíduos que actuam, são, não obstante, valores alcançáveis pelo esforço continuamente renovado em cada circunstância que se coloca. E mesmo assim, nunca em absoluto. Por isso, além de ser necessário que os indivíduos possuam cultura cívica e espírito ético, porque uma parte de cada um de nós ainda é um lobo do homem, a sociedade cria mecanismos estruturais e legais que não só punem as infracções como procuram evitar as tentações ou as oportunidades.
Isto nem sempre acontece. No caso particular, e altamente consequente a vários níveis, dos políticos, existe um mecanismo, aparentemente óbvio, que pode tornar mais prováveis a neutralidade e o desinteresse: a limitação do financiamento dos partidos à fonte estatal. Portanto, os partidos serem somente financiados por dinheiros públicos. O que parecerá para a demagogia um atentado aos fundos de todos nós é, como tal, um mal menor. Senão vejamos: se é legal que um partido receba financiamentos particulares, como é que podemos esperar que um político não compense, activa ou passivamente, o dador? Ninguém dá sem receber, nem ninguém recebe sem se sentir obrigado a dar. A existência estrutural e legal deste tipo de fonte financeira afasta ainda mais o político do ideal-tipo que lhe dá legitimidade ética e está presente no seu corpo ideológico.
Provavelmente, teriam que se aumentar as quantias envolvidas, pois todos sabemos quanto custa uma campanha. Todavia, não teriam que ter os níveis de hoje. Aliás, a diminuição do aparato propagandístico poderia ter como consequência uma maior valorização da argumentação em lugar do espectáculo. Assim, ainda que o sectarismo e o interesse não desaparecessem, as probabilidades que apontam para eles decerto seriam menores, o que poderia favorecer práticas mais abertas e dirigidas a problemas comuns.