segunda-feira, agosto 27, 2007

Os livros

E apanho a bola, daqui, já um pouco tarde, mas dentro do tempo. Livros da minha vida, claro, é impossível, a vida é demasiado densa e curta para tantas importâncias. Mas arranjo um critério. Escolho-os pela novidade que trouxeram ao momento em que os li, como um impulso. Cinco livros impulsionadores: 1) O Discurso do Método, de Descartes. Com dezassete anos, deparei-me com a existência de qualquer coisa mais certa que poderia ser descoberta com simples procedimentos mentais. Fascinante! 2) Ulisses, James Joyce. A escrita como exercício estético de captação das rugosidades da vida sob a égide duma aliança entre a forma e o conteúdo – quase tudo escapou ao entendimento efectivo. Pretensão! 3) Húmus, Raul Brandão. Já depois da queda de todas as certezas, o encontro com a ruminação profunda escondida debaixo do silêncio dos dias. Comichão! 4) Metamorfose, Kafka. Na realidade, o corpo como matéria inelutável de proximidade, a pessoa esmagada pelo alter-organismo imposto. Porra! 5) Poesia, de Jorge de Sena. A lucidez como a única forma de verdade compatível com a paz de espírito. Comecemos! Chuto agora para a Petunia, o Bruno, o Pedro, o Impensado e a Alexandra.

sábado, agosto 25, 2007

Eduardo Prado Coelho (1944 – 2007)

A minha relação pessoal com Eduardo Prado Coelho não existia. Mas ele parecia, aparecia, como construção dos seus textos, quotidianamente perto. A princípio, provocando uma admiração solene. No fim, uma certa irritação, mas sempre desculpável, como acontece com os amigos - imaginável neste caso. Falava demasiado da sua vida, defendia escandalosamente os próximos e até se debruçava de modo hermenêutico sobre novelas. Mas estava lá, presente, demasiado presente, descobri hoje. Senti o seu falecimento como altamente inoportuno, como se descobrisse a morte como realidade geral e isso me ferisse estranhamente. Além disso, surpreendi-me com a ausência de banalidade nessa reacção. Afinal de contas, era apenas mais um desconhecido mediático que morria. Mas não, pelos vistos não, ele era qualquer coisa mais, talvez mais humana, cheia dos bons defeitos do humano que agora já não irritam.

sexta-feira, agosto 17, 2007

Torre Bela

Um documento cujo traçado narrativo é uma autêntica fenomenologia das emoções e das razões presentes na vivência ideológica e social do comunismo. Primeiro, a crença e, a seu lado, a emoção, quase lacrimosa, duma esperança amalgamada em povo, em que se perspectiva no outro a possibilidade dele ser um mesmo de boa fé pronto a uma realidade paradisíaca: tomando a igualdade pelo bom. Segundo, o esforço de organização e racionalização do trabalho e da distribuição dos bens de modo a garantir a desejada equidade que ponha a salvo do conflito e da injustiça a utopia programada. Terceiro, o desencontro interno e entre si dos dois pontos anteriores: a solidariedade resvala em pequenos actos de cobiça e inveja, a equidade depara-se com as naturais dificuldades dum cálculo distributivo necessariamente complexo e a vontade e a razão não encontram entre si o espaço de encaixe. Enfim, os Homens não mereceram as grandes ideias e acabaram todos na prisão.

quarta-feira, agosto 15, 2007

Os homens que a usam

Uma das discussões mais recorrentes em vários campos das ciências sociais e humanas e no âmbito filosófico é a que procura determinar o benefício ou prejuízo da tecnologia. Por um lado, afirma-se que esta colocou o humano num novo patamar funcional, dando-lhe potenciais que antes apenas podiam ser sonhados e que agora se concretizam. Por outro, defende-se que, em vez de libertar, a tecnologia condicionou a acção de modo a que o homem se tornasse seu servo em lugar de senhor. Contudo, talvez seja possível superar este antagonismo deixando de olhar para a tecnologia e passando a fixar o ser humano. Provavelmente, todos os defeitos são deste. O que na realidade a tecnologia fez foi agigantar os caracteres definidores da humanidade, ora aumentando os bons, ora os maus. Assim, quando se quer libertar, a tecnologia liberta, quando se procura submeter, alguém é submetido, não pela tecnologia, mas pelos homens que a usam e provocam as suas consequências mais distantes.

domingo, agosto 05, 2007

Amigos

Com eles, reencontramo-nos, simplesmente porque antes talvez nos tenhamos esquecido de nós, de quem somos, dispersos por qualquer coisa que sonhamos. Por isso, aguardamo-nos, prontos a nos reconhecermos em cada novo cruzamento, onde ficou plantado um ser que forjámos nos seus olhos com a verdade que a autenticidade, gaveta de defeitos, nos proporcionou, crente na possibilidade de chegarmos como pessoas. E assim, neles, vemos num espelho a nossa figura desenhada com a mesma tinta com que esboçámos os seus rostos, para que também eles vissem mais de si próprios quando nos vêem. Nisto, não há deveras complexidade que esconda a simplicidade com que o mundo pode, em alguns dias, ser um pouco mais profundo, ainda que tecido de ideias errantes.