sábado, abril 25, 2009

25 de Abril de longo alcance

Um discurso que se acentuou no século XX estende-se pelo XXI: sem uma razão totalizadora ou uma religião efectiva a teleologia humana anda pelas ruas da amargura, isto é, tem vistas curtas ou é cega, não perspectivando para lá do imediato e constituindo-se numa acção que só no presente recolhe sentido e que, em termos colectivos, parece contraditória. Resumindo: não sabemos o que andamos aqui a fazer, pelo menos universalmente e em longo alcance.
A nível académico esta questão é discutida com alguma profundidade, mas sem consequências políticas. Nos media, a política acontece-lhe, mas falta-lhe profundidade, o que é visível na predominância do quantitativo. Talvez seja sentida no discurso que amiúde surge sobre a crise de valores e a emergência dum certo materialismo exacerbado, mas pouco mais. O económico prevalece, hoje aglutinado no termo “crise”, o qual, sem que nos tenhamos apercebido, talvez por falta de memória, já não é um caso mas um elemento operativo do agir. O curioso é que, apesar de só nos sentirmos a cair com a queda do económico, o abalo a este nível pode levar-nos a pensar nas questões mais profundas, pois este abismo específico potencia projecções reflexivas de alcance existencial. Em todo o caso, dos media de massas não podemos esperar muito, o seu objectivo é claro e o discurso económico dominante é o mais persuasivo com o seu estímulo “sobrevivente” em tempos de crise e “conspícuo” quando há abundância. Aceite-se.
Portanto, como se responde a este estado geral de “problema” a um nível simultaneamente complexo e político, sabendo que este é aquele que age colectivamente? Mais: será uma questão política saber qual o nosso sentido? Podemos, a este nível, agir colectivamente ? A verdade é que em democracia o telos não se impõe, por mais verdadeiro que seja. Saber ou construir um sentido para a humanidade a partir duma política em todo o seu poder exigiria uma ditadura de valores muito mais discutíveis do que os democráticos. Coisa que ninguém quer. Além disso, não existir universalismo teleológico não é um efeito mas uma causa do problema: é um facto. Este, em parte, também cria a democracia, um espaço de tensão permanente, onde diferentes forças se fazem valer, nem sempre pelas melhores razões ou mesmo por razões, o que não lhe retira fundamento - é o preço que se paga pela possibilidade de discussão dos particularismos.
Neste caso, a política reside no facto de ser em comunidade que estes processos ganham força e realidade. Mas a comunidade começa por ser um conjunto de indivíduos – primeiro os indivíduos e só depois o conjunto (distinção analítica). Caso contrário, corremos o risco de reificar uma ideia perigosa, a de que qualquer coisa maior do que cada um de nós, que é um conjunto abstracto, é o mais importante. Não é. Cada um de nós é o mais importante. E é neste elemento empírico que a entrada política para estas questões pode ocorrer. Claro que precisamos de grupos. Mas eles não caem do céu, caem do chão, e é a partir de indivíduos que pensam, também fora das universidades, que paulatinamente as respostas se podem construir. Alguma vez teremos construções duma evidência mobilizadora? Talvez não. Alguma vez, em liberdade, teremos a ideia clara dum sentido para todos como já chegámos a ter? Talvez não. Mas o único modo disso ainda ser uma possibilidade verdadeira e não autoritária é protegendo ao máximo a liberdade, com uma acção entrosada e paciente, favorecendo o movimento. Assim, a democracia, com a sua heterogeneidade ontológica, é o sistema que mais respeita a multiplicidade de respostas às derradeiras perguntas que tantos pensadores colocaram e que a religião pretende resolver, além de ser o único que permite a emergência duma universalidade autêntica, de baixo para cima. Mesmo que tudo corra mal, ficamos com ela - o valor que nos vai valendo na procura de sentido.

sábado, abril 04, 2009

Angústias do sociólogo

O sociólogo emoldura o seu objecto simulando subjectivamente um certo distanciamento em relação ao mesmo com o fito de o tornar mais objectivo (tal como acontece em grande parte das ciências sociais). Sem este olhar sociológico a sociologia não acontece, por isso muita gente vive na sociedade mas não a vê sociologicamente.
Este acto de tornar o social em coisa observada pode ter múltiplas consequências neste indivíduo e na forma como pratica a sua profissão. Primeiro, pode fazer com que desenvolva algum medo em relação à consistência da sociedade, pois a distanciação fá-lo espantar-se e interrogar-se sobre o que mantém a ordem social e, não descobrindo, ou encontrando debilidades naquilo que descobre, passa a temer que esse espectáculo seja demasiado frágil para se manter por muito tempo. Daí ao segundo efeito possível: o da necessidade de controlo. Pode suceder a este investigador, perante a identificação e reificação dos caracteres sistémicos visíveis no corpo que analisa, ceder à tentação de utilizar os elementos potencialmente manipuláveis com o fito de transformar a sociedade no sentido de a fazer corresponder mais irmãmente aos seus próprios ideais. Mas também pode acontecer o inverso, como terceira hipótese, isto é, em vez de se lançar numa transformação moral do que observa, refugiar-se (não necessariamente por medo, mas por almejar a distinção científica) nos princípios anti-axiológicos que supostamente tornam a sua prática mais legítima. Neste caso, representará (é preciso teatro) uma certa indiferença; contudo, os seus dados serão sempre aproveitáveis por quem politicamente deles precisar. Portanto, em todo o caso, os seus discursos serão funcionalmente implicativos.
Considerando estas possibilidades e a exposição dos dados como instrumentos utilizáveis, há que compreender a facilidade com que esta área mostra tantos praticantes exaltados ou cínicos. Os primeiros assumem o medo e instrumentalizam abertamente as informações que constroem, os segundos camuflam esse temor (ou abdicam da profundidade que o provoca) e deixam para outros a interpretação axiológica e pública daquilo que dizem. Em ambos, a verdade – palavra já dita à boca pequena – é o único ideal que pode salvar. E isso é um valor, que uns só validam por dar força a valores mais importantes e que outros só reconhecem (se reconhecerem) se for o único praticado.