terça-feira, julho 26, 2005

O fim de Portugal é universal

Vamos descobrindo um país feito de papel, mas bem pintado e colorido. Frágil como as florestas que ardem, porém escarlate e luminoso como o fogo. Tacteando este país, sentem-se nas mãos uma espécie de cinzas; lançamo-las, com as esperanças perdidas, sobre o seu corpo rectangular, deixando-as fugir nos braços do vento, para o mar, para o ocidente sem países. O oceano vem também para nos engolir e, para nos salvarmos, damos as unhas à Europa e deixamos a nação afogar-se. Assim, conservamos o mundo. Por isso, o fim de Portugal só pode ser o princípio do mundo. O fim dos países é o começo do cosmos. O optimismo é um estado de espírito do universal. O pessimismo, todavia, é demasiado português.

segunda-feira, julho 25, 2005

O homem do futuro IV

Como mudar já? Eis a pergunta verdadeiramente mais incómoda. Como? Provavelmente, já somos muito desse homem certo e veloz, e concerteza que ele está confortável. Por isso, talvez questionar em movimento, mas fora da certeza, seja já alguma coisa. Todavia, não satisfaz ficar pela pergunta, pela crítica, pela recusa, não é suficiente porque não reconstrói algo de novo, diferente, na direcção do melhor. E o que é o melhor? Coloca-se aqui o nosso maior problema. Qual é o projecto de substituição, a alternativa? Como se questiona: é uma recuperação da autenticidade, um regresso às origens, uma valorização da existência individual? Pois é... o quê? Voltar a trás simplesmente não existe. Começar já é a única possibilidade, e essa é, por agora, um aviso a nós e aos outros sobre a excessiva simplificação do Homem, exigindo-se que este não deixe de se reconhecer finito e, por isso e apesar de tudo, possível devaneio do futuro. Assim sendo, antes do até , pensemos agora e esperemos o reconhecimento das mãos evitando a reificação duma verdade impossível.

terça-feira, julho 19, 2005

Comparações

Se compararmos a cobertura noticiosa despendida sob os atentados de Londres e a realizada nos inúmeros atentados quantitativamente mais mortíferos em Bagdade, deparamos com uma assimetria na valorização e no choque ritualizado que só nos pode levar a pensar que o eurocentrismo permanece, um certo racismo sobrevive, e que a morte dos ricos parece despertar mais solidariedade que a dos pobres e andrajosos – como se causasse mais piedade ver a vasta acumulação material do ocidente ir existência fora com a facilidade de um botão do que a eliminação de indivíduos que pouco mais do que a roupa do corpo têm e assim - já desde sempre - parecem prontos à diluição. A proximidade, a identidade e o sucesso são a verdadeira medida do universalismo e da partilha da dor. O resto são notícias que apenas alimentam o estado de coisas, na medida em que esse estado é feito de nós e dos outros, do dentro e do fora, do ser e do não-ser.

sábado, julho 16, 2005

O homem do futuro II

(este futuro)
E a pura comunicação será o paradigma vigente; paradoxalmente, a sua negação, porque constante envio, fluxo permanente sem ponto de emissão ou de recepção, não-comunicado comunicado entre espaços improdutivos, tornado conteúdo e fim em si, movimento pelo movimento. Breton chama a atenção para essa utopia, em que tudo, sob a capa da transparência, se torna exterior, em que a interioridade é esquecida como quem nega toda a possibilidade do númeno ou mesmo do desconhecido, do profundo, a verdade transformada em movimento de a dizer, de dizer, sem nada que se diga. O homem do futuro, sim, é só futuro, é projecto em projecção, corrida sem descanso, plano sem motivo. O homem do futuro, sim, é preciso mudar já.

terça-feira, julho 12, 2005

Depois do éden

(este éden)
O pecado parece ter sido o motor da História, o impulso para que dois seres agarrassem a humanidade com ambas as mãos e pudessem infinitamente desobedecer a uma lei que os fixava eternamente a uma voz sem rosto. Os seres humanos buscaram um rosto, uma singularidade, um espaço de rugas, de tempo, onde lágrimas caídas revelaram um sentimento de si e de devir, onde o acontecimento deixou levemente a sua marca e a sua segurança - a sua prova de existência. Depois do paraíso perdido, o movimento ganho, a monumentalidade erguida, o toque inaugurado, os sentidos expandidos, um universo salvo por consciências famintas; enfim, um Deus vencido.

sexta-feira, julho 08, 2005

Londres

E se poucos soubessem? E se ninguém ouvisse falar deles? E se a bomba fosse apenas uma palavra que nos chegasse como identificação ou registo minimalista, sem imagem, sem sangue, sem expressão dantesca? E se o horror efectivo não contagiasse mais do que as vítimas de primeiro grau? E se o terrorista, aquele que quer provocar o assombro, agudizando ao limite a psicologia do medo, não tivesse voz, não tivesse meio, se a rede de comunicação o limitasse a uma conversa com o vizinho? E se as células terroristas, já sem centro, tivessem menos meios de propaganda, menos palavra para passar entre os átomos isolados que esperam activação e expansão? Qual o limite da liberdade de expressão? Qual o limite do relativismo e da liberdade de valores? Qual o limite de Deus? Qual o limite da vida humana? Sem mais: a vida humana.

segunda-feira, julho 04, 2005

Existe?

Uma das incapacidades do ser humano mais frustrantes é a de não lhe ser possível ver-se a si próprio de fora, sair de si, sem sair de todo, e ver-se a si mesmo sendo, em autêntica auto-exposição ontológica. Só assim, verdadeiramente, o positivismo sobreviveria. Mas não, este caiu sob o tropeção da inalienável subjectividade. Contudo, por vezes, pelo canto do olho, parece ser possível vislumbrarmos um pouco de nós, ainda que fugidio ou mesmo ilusório. Serve para nos reconhecermos em parte. Assim, a dada altura, ele deu por si a ser arrogante, diria até pretensioso, e pensou: e se sou sempre assim e disso não tenho consciência? Será que afinal não sou tão especial como pensava? Não, aparentemente não era; todavia, podia estar enganado. E, do mesmo modo que ninguém o avisava da sua arrogância, podia ser que ninguém descobrisse, como ele, a sua alta superioridade. Visto isto, o ser , quem sabe? Quem vê a confluência do real? Existe?