sexta-feira, junho 30, 2006

Buracos

Venho por aqui tentar deixar buracos no chão, onde alguém, um dia, “agora”, caia e saiba que um outro chão se teceu paralelo ao dela, àquele onde ia normal num caminho dado, por cima, horizontal tecto do subterrâneo. Mas cavar custa. Ruminar precisa-se. Por isso, pensar é um trabalho de campo e de gado. No campo amanha-se a erva de que se alimenta o gado e por onde, passo a passo, pés de cimento devem cair bem fundo, perdidos, até onde as unhas alcançam, seguras e cegas. Contudo, neste gesto, “agora”, nada de novo se fez, apenas se gritou que se quer e se quis fazer o que agora se tenta. Mas nada verdadeiramente. Apenas a pretensão calorosa de que basta a voz da intenção para que a toupeira escave. Somos animais de superfície, corporalmente. O dogma está no corpo e amiúde resta-nos apenas a casinha fechada do grito. O mais que parece é que não há carne para a nudez nem palavra que perfure.

segunda-feira, junho 12, 2006

Sem números

Sem essencialismo, há o bem, o tender esforçadamente para uma afirmação positiva da vida, com todas as limitações negociadas que a convivência obriga, cuja figura sustenta a maior expansão possível de cada um. Contudo, esse bem não parece ser espontâneo, não aparenta nascer como impulso imediato, resulta antes, ele também, de uma negociação, desta feita com o próprio lançado ao outro, intersubjectivamente. Nisto, é a culpa, o remorso, a insidiosa falta relativamente ao humano, alojada na consciência como espelho formado pelas linhas da relação social, que impele cada um para a acção que garanta o espaço de vida alheia, sempre – claro! – porque este é a única possibilidade que desenha a amplitude vital de quem age. Todavia: a consciência disto não deve ser permanente, a sua imersão é necessária para que a economia se limite aos números e não se imiscua nas relações humanas.

quinta-feira, junho 08, 2006

A casa IV

P: Sem resposta, sabe das casas, e então sabe das ruas. A terra, para onde há-de ir, está coberta por cidades, já não se vê. Mas na urbe encontra uma figura, em cada caminho entre paredes, em cada palavra entre frases, em cada letra entre enigmas. Um dia, abre a gaveta, fechado ou aberto dentro dela.

RC: Dentro da gaveta está a palavra. Ela é a resposta. A palavra define. Seja em que dialecto for, ela define. Ela é o veículo identitário. Ela é que transmite. Ela tem uma verdade dentro de si. Logo ele só é e os outros só são porque ela existe e porque foi inventada por um de nós.

quinta-feira, junho 01, 2006

A casa III

P: E as paredes caiem sobre ele, leves, mas enlaçadas. Prova na boca o sabor frio, descritivo, dos códigos indecifráveis, que parecem dizer-se, ser uma verdade, decifráveis. Se antes não tinha, agora tem um edifício. Mas não corre. Vela atentamente o aparecer. Regista o incontornável para um dia o contornar. E encontrar-se-á depois das casas?

RC: As letras, as cores, edifícios, perseguem os seus sonhos, como um pesadelo em que é perseguido por tais figuras, distorces, assemelhando-se a sombras, mas definidas. Flutuam, dançam, encantam, mas revelam?