sábado, outubro 28, 2006

Outono quente

Não há tempo, claro. Mas há os doutores e os jovens deste país. A Floribela há-de tirar um curso e de gestos mágicos pintar-nos de flores para inglês cheirar nas férias quando nos vê do alto onde talvez esteja. Não, não é amargura. Não resulta também da leitura excessiva dos textos de Vasco Pulido Valente. Não. Ele faz parte, é certo, é função da estrutura que nega. Isto é apenas falta de espaço, além do tempo que não há. É a claustrofobia moderna, mas gasta. E feliz, claro, que aqui não é o próprio que se diz. Por isso, considerando o exterior que se intersecta, desiste-se da possibilidade de desconstrução específica ou geral e embarca-se numa espécie de mergulho reconhecidamente fragmentado e cheio do louvor do pormenor isolado. Isso vai fazer-se: não se fez. Não se fez nada, o tempo esgota-se, o espaço aperta e ouvem-se uns gritos de um país, enquanto se esquece essa palavra e um calor de Verão invade um Outono desintegrado.

sábado, outubro 21, 2006

Condição humana

Vamos agarrados à ponta de um nada revestido dramaticamente de tudo como se o tempo fosse finito. Nós somos, mais nada. Calejados pelos murros com que adoecemos a morte, resistimos no teatro do herói que queremos ser, escorregando no sorriso que fazemos e colhendo vagamente um tempero de esperança. Nisto, vamos ganhando com a finitude o direito à definição e conquistando todos os dias uma nova frase. Ainda que na recusa, vamos tendo o privilégio do tudo, só porque tocamos no vazio quando abrimos os braços germinando por dentro a densa possibilidade de fazermos. Somos crianças a galgar a terra, mortos de olhos abertos e cheios de vida, gente indefinida bêbeda por cada grito que sabe. E sabemos. Temos o poder de saber, ainda que numa ilha. Temos, por fim, milhares de tijolos no termo da civilização para Deus verificar se valeu a pena e perguntar aos Homens se já pode ter nome.

sábado, outubro 14, 2006

O futuro é agora

Por vezes, o fazer é tudo; pensar e dizer o texto do real não parece bastar, insurge-se como parco perante a potência criadora do gesto humano – modificador singular do espaço em seu redor. Por isso, quando a acção fica cativa de uma esperança imóvel, dum projecto que apazigua ânsias com a pseudo-certeza dum futuro, nada que seja verdade subsiste, emerge ou concretamente se possibilita. O ser que se pensa só é quando se faz, e, nisso, o intelectualismo preguiçoso, apesar de orgulhoso, é minimalismo humano perante a realização de uma acção ingénua mas total, consequente e de corpo inteiro. Nisto, pensar sob a capa do desejo é como que um estado de coma inconsciente. Acontecer só pode ser agora, as mãos só agarram já e o tempo só ganha figura num presente contínuo, não dos deuses, mas dos Homens para os Homens.

sábado, outubro 07, 2006

Quem quer ser Joe Berardo?

Vejamos: num anúncio de um banco português a um cartão de crédito, aparece o Senhor Joe Berardo como figura central, no cimo de uma montanha verdejante, sentado numa poltrona majestosa e com o ar de sucesso olímpico com que o nosso olhar colabora quando olha e quer. Mas quem quer, pergunta-se? O banco diz que todos, que nenhum de nós recusaria ser o Senhor Joe Berardo, no monte Olimpo contemporâneo, deus do dinheiro, das acções, do vestuário negro, da postura sobranceira como quem faz o favor de respirar e, mais, da arte, pois que uma colecção de objectos artísticos vem enfeitar o negociante com a cultura dos povos que assim, pois, parece enriquecer. Mas quem quer, de novo? Talvez muitos, talvez todos. Contudo, é petulante supor como adquirido que todos o queremos, mesmo que das massas aparente fumegar o mesmo sonho universal, transmissível e repetitivo.