P: Ouvindo a superfície fónica do grito, a não palavra, a sua impossibilidade revela-se como força motriz, como vida. A linguagem morreu. Hoje, de manhã, neste novo dia de todos os dias, é o silêncio perfurante que conquista cada castelo antigamente erguido por palavras e sons sem vida. Hoje, a linguagem faz jus à vida, calando-se. E nisto, és tu, e só tu, quem fala.
RC: Logo, o silêncio serve de fertilizante, alimento da terra, para fazer crescer vida onde nela se enterra. O silêncio, o grito calado, permite o lugar a tudo o que o não tinha. Lugar para coisas, antes reprimidas, serem ditas. Tudo pode ser, tudo pode existir, tudo pode ser ‘dito’ desde que seja nesse grito calado.
P: Sim, é isso que digo. Mas não deixo de me questionar: se em cada subjectividade há uma determinação de carácter, portanto, um algo dito ou não dito e que, quando não dito, é a verdade escondida por trás das múltiplas interpretações possíveis, qual o valor do silêncio e do grito, não esconderão eles o autêntico em vez de o revelarem?
RC: Revelá-los seria uma nudez total. Quem quer desnudar-se perante todos? Para isso, prefiro o grito. Mesmo que ninguém ouça.