domingo, março 23, 2008

Educação ideológica

É comummente aceite que a educação facultada por um Estado democrático não deve ser ideológica, isto porque à democracia cabe a neutralidade no que toca à educação dos seus cidadãos. Estes têm o direito à sua evolução política numa panorâmica de oportunidades meritcocráticas.
Todavia, como limites desta distância colocam-se as condições necessárias para a existência de espaço democrático - neste regime tudo cabe, desde que não se periguem os seus princípios de sobrevivência.
Ora, hoje, isto não parece suceder na escolaridade que temos desenhado. Subjacente a áreas disciplinares e de competências designadas como de cidadania, encontra-se todo um espectro de valores ideologicamente posicionados disfarçados de fundamentos democráticos inalienáveis. Deste modo, certas exigências ensinam-se como condições da democracia quando na prática são atitudes políticas que, como tal, estão sujeitas à discussão sem serem condições dessa mesma discussão. São exemplos desta realidade temáticas como “a liberdade de emigração” ou “o multiculturalismo”, as quais aparecem como indiscutíveis conquistas civilizacionais em lugar de problemáticas abertas.
Nisto, corre-se o risco de, a par da legítima imparcialidade religiosa, emergir o politicamente correcto como dogma estruturante duma suposta cidadania de raiz, afastando o espírito desta da sua natureza dialogante, crítica e capaz de mudar para melhor a partir de razões pensadas e discutidas.

domingo, março 02, 2008

O mundo académico

Ironicamente, o mundo académico, apesar de ser mormente observador, passa excelentemente por observado quando se procura um laboratório da espécie humana. Nele, o melhor e o pior se conjugam numa moeda que roda no ar a uma velocidade tal que ambas as faces se confundem numa só.
Assim, onde um dos últimos redutos do espírito desinteressado, curioso e criador se encontra, desenrolam-se a seu par uma competitividade distintiva, uma caça ao subsídio e um determinismo politizado que confundem quem veja a ciência, à partida, como lugar de virtude. Há, socialmente, uma certa construção que começa do exterior e condiciona o lugar em causa (existem estudos famosos sobre este aspecto).
Se nos centrarmos no indivíduo, a perplexidade não é menor. O conhecimento em si parece ser alvo da sombra que emerge sonâmbula do exibicionismo e da ânsia de estatuto: «leio muito, sei muito, despejo em vós uma panóplia infindável de pensadores e isso não me serve para pensar, mas meramente para mostrar que anos fechado na biblioteca hão-de servir para alguma coisa e para alguma posição». Psicologicamente, há também uma construção que se inicia exteriormente à vontade de conhecer e se alimenta da ambição pessoal altamente psico-sexual.
Portanto, quando vemos a virtude científica, não podemos esquecer o que se insinua como seu inverso: uma dinâmica social alvo de interesses políticos com os quais é preciso, silenciosamente, corroborar e a tentativa desesperada de mostrar que se sabe, longe do objecto em si, da intenção científica original, numa valorização excessiva da referência bibliográfica (não que ela não seja necessária, mas não deve ser o centro, julgo) em detrimento dum fio de pensamento que deve ser original e que só se poderá ver legitimado, assim, por um passado que muitas vezes se conquistou à custa da destruição desta lógica.