sábado, dezembro 20, 2008

Utopias

Escarafunchando os fundamentos filosóficos do altruísmo, descobrimos que, em princípio, não existe. Em relação a cada acto perspectiva-se sempre alguma espécie de recompensa, ainda que, no caso do religioso, na forma de créditos cobráveis no outro mundo. No de cá e de hoje assumiu-se este estado geral de «negócio» de maneira inteiramente aberta, ao ponto das estratégias de marketing que se constituem selvaticamente da moral do «vencedor a qualquer custo» serem ensinadas, elogiadas e posicionadas entre as disciplinas académicas com igual dignidade epistemológica – isto, claro, porque a epistemologia, supostamente, não tem que ser ética. Acontece que, neste caso, o esforço de neutralidade não se refere a um real, mas a uma postura que, em si, é tudo menos eticamente indiferente – a venda. Contudo, defende-se que o mercado deve ser tratado com neutralidade epistemológica, da qual resulta a legitimidade da manipulação – se não existe uma verdade absoluta, um valor transcendente ou a dádiva efectiva, tudo se constrói na relação retórica de conquista.
Numa situação destas, a emergência do ético não se faz estatalmente (o Estado não deve controlar tudo e o excesso de controlo prejudica a criatividade, embora não se defenda aqui o Estado mínimo) nem religiosamente (a secularidade é aceite plenamente), mas antes através do conhecimento e exigência ética que o indivíduo deve construir em si, agindo em conformidade no consumo: se uma empresa oferece um bom produto, mas não é eticamente responsável, o consumidor deve optar por outro, ainda que mais caro. Esta conduta pode obrigar à emergência dum marketing ético, o qual, ainda que instrumentalmente (porque não há altruísmo possível), se obriga a um comportamento justo. Deste modo, seria possível, pela racionalização dialógica do egoísmo (imposição dum equilíbrio colectivo calculado pelo diálogo), fazer surgir uma ética, com força própria, duma relação inevitavelmente económica. Depois da fome, talvez qualquer coisa como uma força gratuita pudesse emergir.

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