sábado, abril 04, 2009

Angústias do sociólogo

O sociólogo emoldura o seu objecto simulando subjectivamente um certo distanciamento em relação ao mesmo com o fito de o tornar mais objectivo (tal como acontece em grande parte das ciências sociais). Sem este olhar sociológico a sociologia não acontece, por isso muita gente vive na sociedade mas não a vê sociologicamente.
Este acto de tornar o social em coisa observada pode ter múltiplas consequências neste indivíduo e na forma como pratica a sua profissão. Primeiro, pode fazer com que desenvolva algum medo em relação à consistência da sociedade, pois a distanciação fá-lo espantar-se e interrogar-se sobre o que mantém a ordem social e, não descobrindo, ou encontrando debilidades naquilo que descobre, passa a temer que esse espectáculo seja demasiado frágil para se manter por muito tempo. Daí ao segundo efeito possível: o da necessidade de controlo. Pode suceder a este investigador, perante a identificação e reificação dos caracteres sistémicos visíveis no corpo que analisa, ceder à tentação de utilizar os elementos potencialmente manipuláveis com o fito de transformar a sociedade no sentido de a fazer corresponder mais irmãmente aos seus próprios ideais. Mas também pode acontecer o inverso, como terceira hipótese, isto é, em vez de se lançar numa transformação moral do que observa, refugiar-se (não necessariamente por medo, mas por almejar a distinção científica) nos princípios anti-axiológicos que supostamente tornam a sua prática mais legítima. Neste caso, representará (é preciso teatro) uma certa indiferença; contudo, os seus dados serão sempre aproveitáveis por quem politicamente deles precisar. Portanto, em todo o caso, os seus discursos serão funcionalmente implicativos.
Considerando estas possibilidades e a exposição dos dados como instrumentos utilizáveis, há que compreender a facilidade com que esta área mostra tantos praticantes exaltados ou cínicos. Os primeiros assumem o medo e instrumentalizam abertamente as informações que constroem, os segundos camuflam esse temor (ou abdicam da profundidade que o provoca) e deixam para outros a interpretação axiológica e pública daquilo que dizem. Em ambos, a verdade – palavra já dita à boca pequena – é o único ideal que pode salvar. E isso é um valor, que uns só validam por dar força a valores mais importantes e que outros só reconhecem (se reconhecerem) se for o único praticado.

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