quinta-feira, julho 08, 2004

A identidade no tempo ou como a foto antiga mente

Nunca nos despedimos definitivamente do passado, pois um zero é zero, ou seja, nada, e nunca se começa do nada; isto porque a vida é tudo, é caminhar como uma jibóia que permanentemente se alimenta e cresce até ao fim sem recomeço. Neste fim – a morte – a memória é dos outros e do animal apenas resta um rosto ou uma máscara. O que vai dar ao mesmo, visto que a interioridade profunda se esfuma no impalpável fluxo do não-reificável.
Se assim for, a máscara é o rosto possível e a polissemia (a máscara-rosto de mil luzes coloridas, tantas quantas as perspectivas) a multiplicidade de identidades minhas que encarnam na vivência dos outros (esses que erguem a minha identidade depois da minha morte; cada um a sua, note-se).
No fundo, a identidade pessoal e o sentido que a mim atribuo no meu íntimo morrem comigo, e o sentido externo, o visível, e por isso sobrevivente e verdadeiro, está no Outro, sempre no Outro, na medida em que é nele que eu me torno dizível e com alguma permanência (a continuidade fixável e palpável necessária à identidade que sobrevive à minha finitude). A verdadeira identidade pessoal é inevitavelmente finita e só vive enquanto recomeço e de um modo intransmissível; no fim, sobrevive apenas um sentido heterogéneo, uma hetero-identidade, não já a minha, mas a única possível, que é apenas provavelmente finita – não de um modo irremediável, portanto.
Daí a aporia: a minha identidade (possível, exterior e apenas provavelmente finita) só sobrevive sem mim, todavia já não é a identidade entendida enquanto representação de um ser palpável e limitável na sua definição e vivência, mas um sentido que de mim emana e que eu não controlo minimamente, uma identidade que se configura como representação de mim nos outros.
Concluindo: a identidade existe, na medida em que digo eu e os outros dizem tu; mas não existem rochas na alma humana; é na finitude que se configura a identidade pessoal, interior; mas é na permanência (apenas provavelmente finita) que se concretiza a identidade como sentido concreto e transmissível, e esta vive no Outro.

Portanto, cuidado com as cartas que envias, levam um rosto que não conheces por inteiro.

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