segunda-feira, junho 12, 2006

Sem números

Sem essencialismo, há o bem, o tender esforçadamente para uma afirmação positiva da vida, com todas as limitações negociadas que a convivência obriga, cuja figura sustenta a maior expansão possível de cada um. Contudo, esse bem não parece ser espontâneo, não aparenta nascer como impulso imediato, resulta antes, ele também, de uma negociação, desta feita com o próprio lançado ao outro, intersubjectivamente. Nisto, é a culpa, o remorso, a insidiosa falta relativamente ao humano, alojada na consciência como espelho formado pelas linhas da relação social, que impele cada um para a acção que garanta o espaço de vida alheia, sempre – claro! – porque este é a única possibilidade que desenha a amplitude vital de quem age. Todavia: a consciência disto não deve ser permanente, a sua imersão é necessária para que a economia se limite aos números e não se imiscua nas relações humanas.

3 comentários:

Miguel d'Azur disse...

Será que se poderia afirmar que sem essencialismo não há vida? Passo a explicar. Se entender por essencialismo uma espécie de fragrância dimanada de qualquer ser ou ciência, fragrância essa que define pelo menos parte, talvez mesmo toda a identidade, mas de forma empírica, será que se poderá dizer que a economia, e os seus respectivos números, é órfã de essência?
A economia, por definição, é a ciência que tem por objecto o conhecimento dos fenómenos respeitantes à produção, distribuição e consumo de bens e serviços de uma sociedade. Ora, se a economia é uma ciência “abstracta” - existe, mas não tem forma -criada pelo homem “concreto” – existe, garças à sua forma, porque não ponderar a hipótese da economia ser uma refracção da essência do homem. Logo, a economia é dotada de essencialismo. Mas talvez, amigo Pedro, queiras dizer que o essencialismo não está fomentado naquilo que o homem conceituou de bem e de mal, e que a sociedade actual tende para um materialismo absoluto, desligando-se da sua essência original, pureza por definição.
Talvez não tenha entendido o que querias dizer. Alumia-me a minha lanterna, sff. Obrigado!

Michel

Pedro disse...

A temática central do "post" é a questão da acção que podemos considerar boa e aquilo que a obriga a ser: a culpa, o mecanismo de equilíbrio e reposição ético-ontológica vivido de cada um para o outro. Nesta consideração, logo de início, achei importante distanciar-me do essencialismo. Isto porque não considero o bem e o mal como essências à priori da existência. Nesse sentido, sou existencialista. Noutro, talvez pragmático; ou seja, penso que o bem é aquilo que concorre para o meu bem estar, o qual depende do bem estar dos outros. Isto obriga a uma certa economia, a um cálculo das relações humanas, algo que levado à prática, além de maquiavélico, é neurótico. Sendo assim, nas relações humanas, o cálculo da produção, distribuição e vivência de “boas acções” não pode ser parte permanente ou mesmo consciente da acção de cada um. Este cálculo só aparece no limite: na solidão; ou analiticamente: olhando. De resto, julgo que ele deve ser como os pés de um homem muito gordo: invisíveis, ocultados por uma barriga larga que serve de transcendência forjada, e, principalmente, de força espontânea. Contudo, eles estão lá e movem-se...
Grande abraço e parabéns pelo blogue.

Miguel d'Azur disse...

Obrigado pela tua explicação.
O teu blog é um desafio ao racocínio. Quem está de parabéns és tu!
Um grande abraço para ti tb!