sexta-feira, junho 06, 2008

Défice temporal

Se entendermos o tempo como unidade económica, podemos partir do princípio que o tempo que despendemos a produzir tem como objectivo dividendos temporais não produtivos mas compensadores. Portanto, quando trabalhamos, temos como fito não trabalhar, esse é, por assim dizer, o objectivo do trabalho: sustentar tempo de prazer, em que se ocupa o corpo e a mente em actividades sociais, culturais, existenciais, subjectivas ou outras.
Sendo assim, hoje em dia, temos um claro défice de tempo não produtivo. Perdemos o lucro temporal. Isto acontece porque ocupamos demasiado tempo a produzir comparando com aquele em que não produzimos: o primeiro, devendo resultar no segundo, acaba por invadi-lo.
Exemplificando: um indivíduo que adquira um automóvel novo, comprometendo-se com um empréstimo, fá-lo porque precisa utilizar o veículo durante o tempo laboral, mas igualmente durante o lúdico, caso contrário estaria a despender recursos excessivamente centrados no contexto do trabalho, quando na prática o automóvel é dele e não da empresa para quem trabalha; contudo, porque teve que contrair o referido crédito, tem que trabalhar mais, ocupando com trabalho o tempo do ócio. O que é que acontece? O tempo de trabalho enrola-se sobre si próprio, isto é, o indivíduo passa cada vez mais a trabalhar para poder continuar a trabalhar, a mover-se de carro para ter o emprego que lhe permite mover-se de carro e ter o emprego que lhe proporciona o carro que lhe dá o emprego, sempre dentro deste círculo profissional, o que resulta no progressivo desaparecimento do tempo lúdico, para o qual, desde a civilização, também trabalha.
Ora, hoje, com o trabalho cada vez mais precário e o futuro menos garantido, este fenómeno tende a aumentar, muito ajudado pelo endividamento que vende trabalho ainda não realizado que tem que se acrescentar ao que se vai realizando. O prazer, esse, fica para outros.

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