No funeral, todos chegam lentos e juntos, principalmente juntos, vendo o chão e o corpo. Um corpo é sempre um corpo, e está lá, cruel, sem o movimento, a expressão, a respiração, os sinais que o tornavam próximo e o faziam sentir-se no meio da gente. Nada sabemos. Chama-se morte, mas nada sabemos. A ladainha católica preenche os sons que calamos e resigna a explicação ao imediato. A maioria responde convicta. Mas nada sabemos. A morte não existe. E nós, nisto tudo, olhamos uns nos outros, e vemo-nos derreter, arder como pavios: somos despedidas. Nós, por aqui, tocamos no rosto fechado e vemos emergir monumental toda a sua vida, todos os seus gestos passados como definitivos, o seu ser como estátua absoluta e pessoal: somos árvores. Abraçados frente ao abismo, não vemos o fundo nem o caminho, mas tocamos no barro e esculpimos a peça que nos promete.
quarta-feira, janeiro 11, 2006
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
6 comentários:
O coração humano recusa-se a acreditar num universo sem uma finalidade.
(Kant)
E ficamos, sempre, tristes com o inevitável... porque será?
Talvez fiquemos tristes por o inevitável ser a ausência absoluta. Neste sentido a morte é o fim e não a finalidade. Esta é a vida. Julgo que o que recusamos é a finalidade que o momento específico da morte nos impõe: quando morremos passamos a ser a vida que fizemos até ao momento em que morremos.
Se tivermos consciência que nascemos, vivemos e morremos, procuramos um sentido para rumar ao destino final. Esse sentido intriseco à 'natureza' humana, essa finalidade, é pura e simplesmente para apaziguar corações e mentes despertas, que tomaram consciência que a vida deve ser contemplada porque não há nada para além da morte (a nivel de vida pós mortem). Continua a existência de outros seres que, tal como tu e eu, nascem para morrer. Mas a maioria quer acreditar na finalidade para dar sentido a algo que não o tem.
A morte é a coisa mais certa que a vida, à priori, nos determina.
Fernando Pessoa disse um dia que «Morrer é apenas não ser visto. Morrer é a curva da estrada».Tudo depende do ponto de vista, claro. Sobretudo neste caso, a morte não pode ser vista como ausência absoluta porque não apaga a existência da memória de quem «fica».
Enviar um comentário