quinta-feira, fevereiro 23, 2006

A fala que cala sobre nós

À pergunta sobre o que é o tempo é costume replicar-se com a clássica resposta de S. Agostinho: se me perguntarem o que é, não sei responder, se não me perguntarem, sei. Ou seja, o tempo é, de uma só vez, um conceito tão inapreensível que nos escapa no esforço da sua verbalização e tão evidente como experiência que nos surge claro subjectiva e intuitivamente, aquém expressão que nos peçam ou queiramos comunicar numa sua definição. Contornando as panorâmicas e as referências filosóficas, passo a falar de um tempo bailante entre o que se quer e o que se toca. Assim sendo, se o tempo não é coisa, é ausência atraente do nosso gesto e do nosso olhar, sem presente, passado ou futuro fixos, mas vazio onde tudo cabe na forma de desejo. Mas, se o tempo é coisa, só o é recordando e tocando interna ou externamente a reificação que a nossa memória deixa da experiência tida, assim incrustada na nossa pele. Contudo, estas duas dimensões marginais não são contínuas, no máximo namoram. Isto porque, por um lado, quando buscamos em esperança o tempo a ser devir, num estado desenlaçado de avanço prometaico, aparentamos deixar tudo para trás infixável e insubstancial, sem o tempo objecto que se toca. Por outro, quando memorizamos e guardamos o tempo como coisa, construindo com ele a nossa casa de espelhos, desenhando nosso rosto e escrevendo nosso nome como pedra, parece que alienamos o tempo que está por fazer na forma de ser feito e desejado, perdendo todo o caso de horizonte. Assim, neste estado instável, vivemos entre o estar e o ir que nos hesitam, entre o ser e o não-ser que nos dobram, onde, no entretanto, todo um silêncio fala e cala sobre nós.

2 comentários:

Anónimo disse...

O tempo será assim como o vento?
Não o vemos, mas sentimo-lo?
Pode ser suave mas também devastador?
Uma brisa, um vendaval...
...Tudo varia consoante a sua velocidade?
Vem uma ventania, leva-me o papel, tento apanhá-lo e não consigo, porque o vento continua a soprar.
Tento competir, como se fosse uma maratona, mas não o apanho...
...é isso o tempo?

Bjs

Pedro disse...

Também. No modo que dizes, penso ser uma espécie de chamariz invisível, um caminho oculto alargando todos os lugares, intocável, mas também condição de avanço, de mudança e movimento. Contudo, julgo ser possível também enquadrar a ideia de tempo na de memória, onde um certo tempo surge sob a forma de figura, externamente representada no objecto fotografia. Claro que, pela sua complexidade, no conceito de tempo cabem outras noções e especificidades delineáveis.