Entre quem escreve e quem lê, pendente no texto, há um abismo intransponível. Mas, se o texto for só texto, o que há em si, já desprendido desde sempre da origem, actualiza-se continuamente novo na leitura, no contexto de quem lê. Deste modo, a única dimensão verdadeiramente pessoal é a do leitor. A do escritor perdeu-se irremediavelmente, esfumou-se em cada linha articulada no próprio acto de a inscrever. A sua voz é a do Outro, suspenso, que aguarda o olhar do vivente, daquele cuja visão vidente faz das palavras uma renovação sem retorno. Num espaço de leitura sem destinatário de rosto definido, ou único, esta circunstância acentua-se, na mesma medida que se suaviza quando o alvo da escrita tem uma face singular e conhecida. Portanto, ler não é interpretar o autor, mas antes encontrar nas suas palavras um espaço comum que se diferencia em cada olhar.
sexta-feira, novembro 25, 2005
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
3 comentários:
O «Carteiro» de P. de Neruda, aborda - poeticamente - esse assunto. O Carteiro «roubava» o Autor, porque interpretava e apropriava-se do que ele escrevia. Oferecia os poemas à sua amada e assinava como se fossem seus.
É inevitável que isso aconteça. O que fazes, escreves ou produzes ultrapassa o teu domínio a partir do momento que colocas a «bola» do lado de cá. Cada um vê, lê, interpreta ou recicla colocando-se no centro e não ao autor.
Exactamente, essa imagem é ideal: o carteiro, em certa medida, concretiza no seu encanto pelo autor, a actualização da autoria na pessoalidade do leitor, isto é, na vida. É na vida que a palavra vale, tal como é dela que nasce.
Enviar um comentário