segunda-feira, maio 01, 2006

Rouquidão II

P: Ouvindo a superfície fónica do grito, a não palavra, a sua impossibilidade revela-se como força motriz, como vida. A linguagem morreu. Hoje, de manhã, neste novo dia de todos os dias, é o silêncio perfurante que conquista cada castelo antigamente erguido por palavras e sons sem vida. Hoje, a linguagem faz jus à vida, calando-se. E nisto, és tu, e só tu, quem fala.

RC: Logo, o silêncio serve de fertilizante, alimento da terra, para fazer crescer vida onde nela se enterra. O silêncio, o grito calado, permite o lugar a tudo o que o não tinha. Lugar para coisas, antes reprimidas, serem ditas. Tudo pode ser, tudo pode existir, tudo pode ser ‘dito’ desde que seja nesse grito calado.

P: Sim, é isso que digo. Mas não deixo de me questionar: se em cada subjectividade há uma determinação de carácter, portanto, um algo dito ou não dito e que, quando não dito, é a verdade escondida por trás das múltiplas interpretações possíveis, qual o valor do silêncio e do grito, não esconderão eles o autêntico em vez de o revelarem?

RC: Revelá-los seria uma nudez total. Quem quer desnudar-se perante todos? Para isso, prefiro o grito. Mesmo que ninguém ouça.

8 comentários:

nrc disse...

E sempre a questão do equilíbrio, neste caso, de um equilíbrio dificílimo que se constrói no meio de uma impossível autenticidade. Por vezes há um grito mas ninguém ouve, por vezes há nudez e ninguém nota...

Alexandra Baptista disse...

Parece-me que a nudez se evidencia muito mais... porque é duplamente visivel.

Alexandra Baptista disse...

Este diálogo é, antes de mais, muito bonito.
P, o valor real do silêncio e do grito deve estar implicado no que veicula, no que chega ao outro lado.
RC, O silêncio tanto fertiliza como contamina. Depende sobretudo do uso que dele se faz ou da sua origem, surge de dentro para fora ou de fora para dentro?
Suponho que o grito também adquira diferentes configurações, assim sendo pode levar-nos - também - à nudez. Não sei se a nudez é autêntica se não... esse é, para mim, o problema.

Anónimo disse...

O Silêncio contamina quando imposto quer por fora, quer por dentro. O Silêncio fertiliza quando não é imposto e como que natural, o Silêncio que diz tudo, que não incomoda. O Silêncio que se idealiza é aquele que diz tudo, dizendo nada.

O Grito. O Grito não me parece levar-nos à nudez. Pretende-se um trocadilho: o revelá-los não se refere directamente ao Grito ou ao Silêncio. Penso em algo premeditado: silêncio premeditado/ imposto, grito premeditado/imposto, isso sim seria revelar uma nudez, se bem que parcial.

Por outro lado, o Grito, quando não premeditado, solto, insonoro, tal como o Silêncio, diz tudo, dizendo nada.

A autenticidade? Essa está na emoção.

Pedro disse...

Aí é que está, o silêncio e o grito, como dois lados da mesma moeda, dizem tudo no seu dizer nada. E nisso, o que se veicula, numa não imposição, é, não um poder-ser-tudo, mas um isso que se estende emocional por tudo a que se dá. Assim, aquele que recebe (só ele percebendo) alberga uma universalidade particular, algo muito próximo do prazer estético, mas revestido de uma ética que emerge da emocionalidade do autêntico, antes e depois de qualquer palavra.

Alexandra Baptista disse...

Rc,
dizes o mesmo que eu, por outras palavras, quando digo:
«de fora para dentro» refiro-me à imposição... e concordo contigo, claro!
Pedro,
já viste, os dois lados da moeda também... para fruir [:)))))]consegues, tu, optar por uma das duas faces?

Pedro disse...

Não opto por uma das faces, por vezes opto pela moeda…

Alexandra Baptista disse...

:)))